Histórico e cultural

HISTÓRICO E CULTURAL

 

PATRÍMÓNIO HISTÓRICO

Nas áreas da antiga e nova freguesia de Abraveses desconhecem-se as datas da edificação dos principais templos destinados ao culto.

A edificação de qualquer um deles foi sempre o resultado de uma permanente devoção do povo cristão relativamente ao santo de maior veneração. Porém, com o passar dos tempos, sendo a devoção alterada também os seus nomes foram substituídos por outros.

Cruzeiros dos Centenários

 

 

 CRUZEIRO DOS CENTENÁRIOS

Por volta do ano 1940, de lés a lés do País, desenrolam-se manifestações de regozijo e vaidade. Celebravam-se as comemorações de 800 anos de independência, perdida em 1580 e recuperada em Dezembro de 1640, cujos centenários, simultaneamente, em 1940, tinham lugar. Elaborado um estudo quanto ao significado das datas e forma de lhes dar reconhecimento, e obtida a autorização da Junta de Freguesia, quanto ao local da sua implantação, no largo poente da Igreja, foi dado início à obra: Cruzeiro dos Centenários.

Chegado o dia, presentes as “forças vivas” de Abraveses e Viseu, é «cortada a fita» e dado por inaugurado o belo cruzeiro, único no País.

 

 

 

ADRO


O ADRO

Para compreendermos a existência e utilização do Adro convém olhar não só o presente mas também o passado. O Adro, tal qual é no presente, não estará longe do Adro, que fora no passado longínquo.

Aquela área que nuns escritos aparece como Adro, e, em alguns outros, como “arraial”, é uma e a mesma coisa, ou seja, local de lazer ao longo dos tempos. No entanto, analisando os vocábulos “adro” e “arraial”, à luz da Enciclopédia Luso-Brasileira ou de um dicionário de português, todos são unânimes: “Adro – terreno em frente ou em volta da igreja; antigo cemitério, quando os enterramentos eram feitos no próprio templo.”; “Arraial – aglomeração festiva do povo. Lugar em que se juntam romeiros e em que há tendas provisórias e abarracamentos de comestíveis, …, música, etc.”

O termo “arraial” não aparece em dicionário antigo, 1798, com acontece com o termo “adro”, aparecendo, algumas décadas mais tarde, com o significado atual. Qualquer dos termos usados tem plena aplicação e justificação na vida, presente e passada, do povo de Abraveses.

Falar do “Adro” ou do “Arraial” é, também, invocar um local de sentimentos e práticas religiosas tantas vezes aliadas a um vivo culto de tradições pagãs. Em Abraveses, o Adro foi sempre um, até à publicação de um certo “Auto de Entrega”. Feita a leitura das descrições nas matrizes: urbana e rústica, da freguesia de Abraveses e confrontadas com a observação atenta da sua planta topográfica foi possível elaborar uma planta do local e identificar “Adro” ou “arraial”, nomeadamente a sua localização e delimitação face aos prédios vizinhos.

Em concordância com o parecer dos párocos, firmado no desejo e vontades da sua população, foram sendo introduzidas no Adro algumas beneficiações sem alterar significativamente a sua fisionomia e extensão.

Na década de 1940/1950, com o Padre Afonso de Paiva, é levantado, a poente da Igreja, o belo Cruzeiro da Independência, também com o consentimento da Junta de Freguesia.

O pároco seguinte, Padre Fernando Rocha Santos, 1951/1965, tenta, e consegue, a deslocação do coreto e do velho Cruzeiro. Aliado ao Coronel Silva Simões, consegue a construção da “Barragem do Mocho” para evitar a desertificação e um pouco planar o “Adro”. Leva também a efeito um singelo plano de arborização do local que inclui a plantação de Tílias e Chichareiras.

Com o Padre Amadeu Gonçalves, 1965/1992, a pedido da Junta de Freguesia e obtida de Sua Exa. Reverência D. José Pedro a respetiva autorização para realizar o alargamento da Rua da Bica, junto ao adro e o corte de alguns seculares carvalhos, a fim de ser permitida uma regular concordância desta rua com a Estrada Nacional.

Anos mais tarde, é assinado entre a paróquia, Fábrica da Igreja e a Junta de Freguesia um protocolo que permite a criação do Parque Infantil.

Ainda, de comum acordo, é regularizado o pavimento do largo poente da Igreja, com a delimitação de uma rua com saída direta para a Estrada Nacional, perto da fachada norte da Igreja e outra frente à parte norte da então taberna do “Zé da Bucha”.

Durante os vinte e sete anos de permanência do Padre Amadeu à frente da paróquia, não se deu ao Adro um exclusivo sentido religioso. Ao tempo, os festejos em honra de Nossa Senhora dos Prazeres e Santa Luzia, há muito tinham desaparecido, porém não deixou o pároco de, atentamente, observar o reviver, no adro ou arraial, do seu sentido pagão, permitindo que o povo desse continuidade a antigos festejos com rijo foguetório, música a rodos, danças e bailaricos. Não deixou de observar também, o sentir da população, que alia, ainda que intimamente, a um profundo sentimento religioso do passado a vivência de uma festa popular mais civilizada e progressista. Reminiscência dum cristianismo semi-paganizado de outrora, a festa popular de Abraveses tem continuado a ser anualmente realizada.

Já no final da sua permanência na paróquia, é lançada a primeira pedra e iniciada a construção

da Casa Mortuária, a nascente da capela-mor.

 

PATRÍMÓNIO CULTURAL | TRADIÇÕES

Na área da freguesia de Abraveses nota-se, nos últimos tempos, uma progressiva atividade nos campos comercial, industrial, construção civil e outras áreas, tendo como apoio muitos trabalhos desenvolvidos em pequenas oficinas artesanais.

No passado outras atividades foram apanágio das gentes desta terra, quando não se imaginavam televisões e poucos emigravam.

Recordar cenas, lendárias ou verdadeiras, é reviver o passado e compreender o futuro. É fazer “renascer” pessoas e agrupamentos que, de algum modo, deram ao povo de Abraveses um pouco mais de si próprios em várias atividades: sócio culturais, desportivas, religiosas e profanas, etc.

A Igreja e o adro foram, na maioria dos casos, os espaços que testemunham a vivência, a tradição, os costumes e os valores das gentes de Abraveses.

Apesar de Abraveses, desde tempos imemoriais, ser um centro de grande atividade agrícola, como a existência de grandes quintas parecem atestar, a verdade é que houve alturas em que o povo vivia com muitas dificuldades. Daí a tradição nos dizer, que homens e mulheres procuravam o sustento dos seus filhos exercendo as mais diversas atividades: compra e venda de farrapos e peles de coelho, ferro velho e, por exemplo, compra de ovos e galináceos para comercializar.

Entre as diversas atividades nas quais, por exemplo, o “trolha” que até santos pintava ao carpinteiro de “boa fama”, um grande número de homens dedicava-se à tamancaria. Só mais tarde, surgiram outro tipo de atividades, nomeadamente, a sapataria, alfaiataria e tipografia que davam aos jovens da terra a possibilidade de adotarem atitudes mais garbosas e senhoris donde vem o epíteto de “fidalgos pobres”.

Os jovens de Abraveses não limitavam as suas tarefas somente ao cumprimento de atividades profissionais. Após o trabalho, nas horas vagas, procuravam ocupar o seu tempo em serviços de carácter sócio cultural, desportivos e religiosos.

Recordemos alguns passos da nossa meninice e juventude, que não serão mais que a continuidade daquilo que nos legara a tradição e nos era permitido saber e fazer.

 

DESFOLHADA

Após a ceia, aos primeiros raios de um claro luar, iam as moçoilas açudadas sentar-se à volta da meda ou carrada de milho que era preciso «descascar», e reservar um lugarzinho ao amigo.

Havia cantos, havia alegria, que redobravam de entusiasmo quando a “moçoila”, descamisando a espiga vermelha, era obrigada a, uma por uma, abraçar e por vezes beijar todas as pessoas que na roda se encontravam. Tais abraços, eram dados com um singular e tímido respeito, quando a moça se via frente a frente com o “conversado”. Esta era normalmente uma atitude tímida, pois na verdade, o parzinho ansiava e vivia, intimamente muito desejoso, estes “permitidos encontros”.

Ao toque da velha concertina ou simples gaita-de-beiços, começava depois o alegre bailarico, dançando à roda novos e velhos, esquecidos dos trabalhos que, no dia seguinte, novamente os esperava.

Por vezes, ao som da mais suave melodia, rodopiavam os pares agarradinhos, confidenciando, baixinho, os desejos e as ambições do futuro.

Ao esfriar a madrugada, cada um voltava a casa alegre e desejoso que a folia se pudesse repetir, brevemente, numa nova desfolhada.

 

BALSA

Com a aproximação das vindimas era preciso ajudar os senhores de algumas quintas nos trabalhos de esmagamento das uvas colocadas em grandes balseiros ou nos frios lagares feitos em granito da região.

Lavados os pés, fazendo o sinal da cruz, cada um saltava ao respetivo lugar. Entre anedotas, o saboroso néctar criava mais alegria e desafiava cantares à desgarrada.

Após o cansativo trabalho, que levava duas a três horas, chegar ao fim era o desejo de todos. Uma lauta ceia esperava o grupo de balsadores, que ao mosto soube transmitir, no seu rodopio constante ou na cadente marcha em fila, grande parte do seu calor e da sua esfusiante alegria.

Depois de bem comidos e «regados» e uma cigarrilha bem fumada, regressavam a casa para calmamente dormirem um sono reconfortante.

 

JANEIRAS

Pelas estreitas e escuras ruelas da aldeia, aqui e além, começavam a ouvir-se cantos de alegria.

A noite gélida obrigava a que os figurantes de pequenos grupos de crianças estivessem bem encapotados, para resistirem ao frio que os assolava. Porém, nas suas almas, vibrava forte o entusiasmo cantando, de porta em porta, e desejando a todos as boas festas de um Novo Ano com melhor sorte.

Os cantares sucediam-se do Ano Novo aos Reis para que nenhuma das casas mais abastadas deixasse de os presentear com alguns tostões, um bom punhado de figos secos ou «regaçada» de gronhos (antiga e pequena maçã de sabor agre), que, naquele tempo, eram um pitéu delicioso.

Aberto o portal da casa e subidos os primeiros degraus da escada, ecoavam, janela adentro, as quadras portadoras da mensagem: 

 

Boas festas, boas festas

Nós aqui viemos dar,

À porta deste senhor,

Se as quiser aceitar

 

Viva lá o senhor F…

Suas calças de burel,

Correm as moças p’ra ele

Como as abelhas p’ro mel.

 

Viva a senhora F…

Raminho de salsa crua,

Debaixo da sua cama,

Nasce o sol e põe-se a lua.

 

Viva o menino F…

Com seu corpinho bem feito,

Quando passa pelas moças

Pisca-lh’o olho direito

 

Viva a menina F…

Vestidinha de mil cores,

Foi criada em Abraveses

P’ra rainha das flores.

 

E se algum casal não correspondia com pequena ou mais avultada recompensa, não interessava a quantidade, era certo ter de ouvir o seu descontentamento:

Esta casa cheira a unto,

Aqui mora um defunto…

 

E o pequeno grupo seguia, procurando não muito desafinar.

Aos mais crescidos, tendo em vista a realização de certos projetos, esta época não passava despercebida e, com alguma antecedência, juntavam-se para ensaiarem canções e saídas.

Cantando a sós ou com o acompanhamento instrumental, era preciso que o grupo corresse as ruas da aldeia com o objetivo de angariar fundos para a realização desta ou daquela obra devidamente projetada e aprovada. Das dádivas recebidas, era certo que chouriços e outros produtos do género iriam ser consumidos numa alegre cavaqueira. Todo o dinheiro revertia para as obras projetadas.

Novo ano a festejar,

Alegrias e canções,

Nova aurora faz raiar

Alegria nos corações.

 

Muito boas festas,

Aqui neste dia,

Nós viemos dar

Em paz e alegria.

 

Muito boas festas

Aqui se deseja,

Dai a vossa ajuda

P’ra nossa igreja.

Com estas e outras canções percorria-se toda a aldeia, fazendo crescer a bolsa, aliás sempre pequena, para o que se havia programado.

 

CARNAVAL

Noutros tempos, o Carnaval, vulgarmente chamado Entrudo, era das festividades pagãs mais em voga na povoação.

No período que antecedia a Quaresma, as pessoas, nas canseiras do dia a dia ou nos insucessos e frustrações encontravam um escape para desabafar.

As tardes e noites de folia sucediam-se aumentando de «tom» à medida que se aproximava o dia em que o «Entrudo» seria queimado, como a relembrar que a vida permissiva de ontem era desfeita em cinzas para dar lugar a uma vida nova.

Desde o domingo magro à terça-feira do Entrudo, tudo era Carnaval. Festividades pagãs, nascidas aqui e além, depois de correrem a povoação, quase sempre tinham o seu fim no enorme largo da igreja ou, nalguns casos, num dos maiores largos da aldeia. Estamos, por exemplo, a lembrar-nos da “Quinta-Feira dos Compadres” tradição que, com alguma graça, ainda hoje se mantém. Reunidos secretamente, não se sabe quem nem onde, um grupinho de «jovens» elaborava, em grande cenário, uma lista mais ou menos extensa, que suspensa de uma janela procurava juntar jovens de ambos os sexos, aliás, já entradotes nos anos. Com algum sentido de humor e alheios a preconceitos e críticas, iam-se formando os parzinhos e registando afinidades reconhecidas.

Num dos últimos anos, pudemos ler, entre muitas, as seguintes «estrofes», tendo o cuidado de omitir os nomes dos parzinhos visados.

 

Somos dois campeões!!!

Tu no corte e na costura,                                                    P´ra aliviar a ressaca

Eu a botar faladura.                                                            Trás meu remédio na saca.

 

Junta os teus trapos aos meus                                           Tu do PS e eu do PP

E, a Viseu, não mais digo adeus.                                        Bom casamento prevê.

 

 

DOMINGO GORDO E ENTRUDO

Festejar o Domingo Gordo não era só tarefa da juventude, mas sim, também, de «jovens velhotes» a quem pulsava na alma o sentir dos anos da adolescência e o reviver das folias há muito gozadas.

Ainda não vão longe os tempos em que moços, e não menos as moças, mascaradas e vestidos de maneira bem diferente, com os bolsos cheios de «confeitos» ou a abarrotar de farinha, percorriam as ruas cantando, saltando e jogando a «pucarinha», lançada das costas para o companheiro que vinha atrás e a devia agarrar. Se a pucarinha ou cantarinho escorregava e se desfazia em pedaços, a algazarra subia de tom e alegria. Entretanto, o autor da situação tentava esconder-se, não fosse, o que era quase certo, ser alvo de enfarruscadelas e empoamento abundante.

Assim, levava-se a alegria de rua em rua até que, ao entardecer, aparecesse o espalhafatoso Entrudo, bem escarranchado no dorso do esquelético asno, que possantes e calejadas mãos de conhecida moça, habilmente disfarçada, conduzia. Ostentando uma andrajosa vestimenta, proclamava as irreverências e triste vida do «Entrudo», lastimando, com delirantes gemidos e longos gritos o trágico fim, que, na noite de terça, o esperava.

A tarde de Domingo Gordo e Terça-Feira de Carnaval eram dias de alegria, vividos à maneira de então, onde não faltavam o zurrar do burro e o ensurdecedor ribombar de bombos e tambores.

O povo gozava tradicionalmente estes dias, esquecido das agruras da vida e, junto do largo da igreja, partia, levando alegria de rua em rua.

 

AMENTAÇÃO DAS ALMAS

Chegada a quarta-feira de cinzas, a calma e tranquilidade voltavam à povoação. Deixavam de ouvir-se as moças cantando nos campos e todos os movimentos pareciam guiados por um silêncio, que se vivia sem ser imposto.

A Quaresma era tempo de solidão em que cada um meditava realmente no que fora o seu viver, no passado, e que caminhos trilhar, no futuro.

Algo a tradição não deixou cair no esquecimento e relembrar os nossos mortos é tradição que se mantém, cantando dolentemente, às sextas-feiras da Quaresma, a amentação das almas.

 

Ó cristão qu’estás dormindo                                                                     Se fores ao cemitério,

Nesse sono tão profundo,                                                                         tomai nota e reparai

Levantai-vos e rezai                                                                                naqueles ossos mirrados,

p’las almas do outro mundo.                                                                    Nossa mãe e nosso pai.

 

As almas do outro mundo                                                                         Já os passarinhos cantam

Já não querem mais riqueza,                                                                     na oliveira bendita,

Só pedem as migalhas,                                                                            rezai uma avé maria,

Que sobram da vossa mesa.                                                                     Em louvor de Santa Rita.

 

Rezai mais um padre nosso                                                                       Rezai mais um padre nosso

E mais uma avé maria,                                                                             e mais uma avé maria,

Em louvor de Sant’António                                                                         p´los cristão que morreram

Que nos guarda noite e dia.                                                                       Cá da nossa freguesia.

 

Ó oliveira bendita,

Que dás o azeite bento,

Alumia noite e dia

Ao Divino Sacramento

 

O CULTO A NOSSA SENHORA DOS PRAZERES

Embora tenhamos consciência de Abraveses como aglomerado de gentes muito anterior à fundação da Nacionalidade é precisamente a partir desta época que o seu nome aparece escrito em documentos oficiais. Já nas Inquirições de D. Afonso III, o nome Abraveses aparece algumas vezes, no entanto, nota-se a ausência total de referências a qualquer capela.

Alguém, no entanto, imbuído de espírito de consulta, fez-nos chegar à mão a transcrição de uma importante passagem de um livro. Estava encontrado, ao que parece, o “fio à meada”. Porém, para além de qualquer justificação ou análise que possa fazer-se, julgo ser mais lógico e concludente transcrever algo do que foi possível ler no livro “Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa”, do etnólogo, Moisés Espírito Santo: “Frei Agostinho refere um processo de Inquisição segundo o qual um cristão-novo de Viseu mandou construir uma capela e encomendou uma imagem dizendo aos católicos que era Senhora dos Prazeres, mas que, na sua intenção e para os cristãos-novos, era a Rainha Ester.”

Eis essa passagem bem significativa dos “tempos duros” do judaísmo português: “Origem da imagem de Nossa Senhora dos Prazeres de Abraveses: foi o caso de um António Dias Ribeiro, cristão-novo e morador no lugar de Repeses, freguesia de São Martinho, extramuros de Viseu, dispusesse edificar uma eremita pelos anos de 1630, mais ou menos, no lugar de Abraveses e freguesia da Sé da mesma cidade e distante para a parte norte menos de um quarto de légua. Elegeu para a construção da eremita o alto de um teso que ali estava e nele lhe deu princípio. E depois mandou fazer a um escultor uma formosa imagem que o artífice obrou com a intenção de que formava a efígie da rainha dos Anjos Maria Santíssima, como fez, uma estátua de seis palmos e um quarto, com o Menino Jesus sentado no braço esquerdo e com um ceptro na mão direita com soberana imperatriz, que é do céu e da terra. Feita a santa imagem, a mandou colocar na nova ermida não como a imagem da mãe de Deus, Rainha dos anjos e dos homens, mas como a efígie da Rainha Ester. Prendeu o santo tribunal da Inquisição este pérfido hebreu. E como aquele santo tribunal se descobrem as verdades e se manifestam os enganos e fingimentos, declarou António Dias Ribeiro que mandara fazer aquela ermida para nela pôr a efígie da Rainha Ester e que mandara fazer simultaneamente a imagem com o título de Nossa Senhora dos Prazeres, tendo em sua mente ser a Rainha Ester. Não sabia este ignorante que Ester foi a figura de Maria e na sua malícia não sabia o que obrava, e para mostrar mais a sua cega ignorância lhe mandou pôr um ceptro em uma mão ignorando que Maria é a verdadeira Rainha do mundo e também do céu.”

O local da ermida e a época das tradicionais festividades em honra de Nossa Senhora dos Prazeres, que na atual Igreja Matriz se mantém, são descritas de forma magistral, no citado livro, e correspondem perfeitamente ao antigo outeiro e matas circundantes que recordam a nossa meninice. Ali acorriam, num passado não muito distante, a mimosear os ouvidos, em dia de festa e a deleitar os olhares nas belíssimas paisagens, ranchos de forasteiros e se enchiam os estômagos com variados e suculentos farnéis. Por ali, também, se esvaziavam pichéis nas tardes cálidas do princípio do Verão, tendo antes o cuidado de fazer uma visita à Senhora e dar cumprimento às promessas anteriormente feitas.

Julgo estar desvendado o “mistério” da antiga capela e encontrada a justificação das festividades em domingo de Pentecostes.

O culto a Nossa Senhora dos Prazeres transcende a importância local. Nossa Senhora dos Prazeres é venerada em muitas e pequenas capelas do país, mas em poucas terras é festejada como titular da freguesia como é em Abraveses (antes e depois da sua fundação como paróquia). Parece que o culto a Nossa Senhora com este título é anterior à dominação Filipina, mas somente a partir de 1747 foi oficialmente autorizado na Diocese de Viseu.

No jornal de Abraveses, número 51, de Outubro de 1997, foi publicado um artigo com o título “Quando e porquê o culto a Nossa Senhora dos Prazeres.” Através do referido artigo, ficámos a saber que a devoção remonta ao tempo da dominação filipina no país, portanto, há cerca de 400 anos ou, talvez, anteriormente.

Não sabemos se o culto a Nossa Senhora dos Prazeres teve origem em Abraveses se na antiquíssima capela de Pascoal.

O culto à Virgem, sob a invocação de Na. Sra. Prazeres, estende-se por várias igrejas e sobretudo pequenas capelas de norte a sul do País. Em quase todas elas, festejar o nome de Na. Sra. Prazeres é dar continuidade ao reconhecimento da Ressurreição de Cristo que a Senhora encola e afaga com maternal carinho.

Enquanto era aguardada a publicação do artigo mencionado, com vista a dar a conhecer melhor a nossa paróquia, fomos contactados por Rafael Maria, Padre brasileiro que em Roma concluiu os seus estudos. Com vista a preparar a sua tese de doutoramento procurava elementos na paróquia de Abraveses acerca da Nossa Senhora dos Prazeres.

O Padre Rafael visitou, assim, a Igreja Matriz, procurando obter do respetivo pároco as razões do culto a Nossa Senhora dos Prazeres nesta paróquia. Acerca deste assunto, pouco poderia ter-lhe sido dito, pois, os documentos de origem e de tradição são muito escassos e jamais foram objeto de estudo dos seus párocos. Daí, a razão de ser deste douto e pesquisador padre brasileiro ter sido encaminhado ao meu encontro.

O culto a Nossa Senhora dos Prazeres, que se estende da Diocese de Braga a Viseu e se prolonga até ao Algarve, transpôs o Atlântico e vai implantar-se na costa este do Brasil, para norte e sul de Porto Seguro, na praia de Pedro Álvares Cabral.

Nestas terras a sul do Equador que se estendiam, ao tempo, do Rio Grande do Sul ao Ceará, portugueses, colonos responsáveis pela educação, desenvolvimento e proteção dos povos nativos ergueram capelas e catedrais cuja padroeira era Nossa Senhora dos Prazeres e onde muitos dos azulejos que cobriam suas paredes foram levados nos galeões Portugueses.

Segundo, Luís Alberto Cíbilis, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, no seu livro “Um Orago na Formação do Brasil”, não restam dúvidas de que o culto a Nossa Senhora dos Prazeres ocupou um lugar primordial na formação cultural e religiosa do povo do nordeste brasileiro. Desde o século XVII que em muitos estados brasileiros, é vivo o culto a Nossa Senhora dos Prazeres, e, em muitas localidades, é padroeira de igrejas e catedrais ou simples capelas de fazenda.

Assim, de acordo com os estudos descritos no citado livro:

- “(…)  Em Pelotas um outro militar traz a devoção de Na. Sra. Dos Prazeres para sua fazenda”.

- “Por pouca sorte, caiu o donatário “grande capitão de guerra” sob a alçada da justiça vindo a ser executado em Portugal para onde fora transferido.”

- “ A fazenda veio mais tarde a pertencer a D. Isabel Francisco Silveira que por sua morte deixa aos afilhados seu património. À afilhada Mª Regina coube a Fazenda de Pelotas, sob a invocação de Na. Sra. Dos Prazeres, imagem barroca, relíquia do século XVIII, ainda hoje no local.”

- “Possuía a Fazenda uma capela para atender as necessidades espirituais e do grande arraial e passou a chamar-se Fazenda da Na. Sra. Dos Prazeres, tomando o nome da sua Padroeira”.

- “Dali saía a imagem no seu andor em lentas e concorridas procissões, nos dias de festas solenes, para abençoar as lavouras, as vinhas, os pomares, as fábricas, a gente e o gado”.

- “A capela de Nossa Senhora dos Prazeres, do Laranjal, possuía capelão próprio lá residente”.

- “Toda a vida de outrora acabou. Mas a imagem continua e tem agora muito mais que abençoar. Uma cidade inteira, que se vai desdobrando desde a antiga matriz de São Francisco Paulo até às margens da Lagoa dos Patos, indo prostrar-se docemente a seus pés.”

- “Há na região várias imagens de Na. Sra. Dos Prazeres trazidas recentemente de Portugal.”

 

 

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